21.7.05

Suíte Bar

Seguindo os passos do Vinícius, não resisto e vou postar um texto que li no 5102. Preciso comentar mais? (Os textos dos ônibus podem ser acessados na página do projeto. )

Suíte bar

Sérgio Fantini

Tudo depunha contra minha permanência naquele bar. A música, a cerveja, as pessoas. Já era tarde demais, eu estava nas últimas. Quase dormindo, pedi mais uma. Desceu em zigue-zague, queimando dentro. Aquela realmente não era minha noite. A carne cozida tinha muita gordura; aliás, as almôndegas boiavam numa estranha gelatina alaranjada. Eu estava perto do fogareiro, de onde saía uma fumaça horrível, fedorenta. E perto do desespero. Dulindo e Teodolito no balcão miravam seus respectivos copos, as costas curvas, cansados. Não diziam nada, apenas se deixavam ali como continuações de seus banquinhos. Tomazinho babava para uma velha TV sobre a geladeira idem. Aquela noite ia longe...

“Energia, bicho, energia pura” foi o que Pata gritou do outro lado da rua. Olhei meio de banda, o doidão dançava. Tinha um pacote de vinís na mão e pulava do passeio pra rua e de volta pro passeio. Acompanhei aquilo por uns dois minutos, cansei e voltei meus olhos pro interior do bar, que já abrigava mais três garotos. Sentaram no salão e pediram guaraná e pinga. Em meia hora eles já tinham mandado também quatro cervejas. Bons aqueles caras. Um deles gritou qualquer coisa sobre a música. A mulher de Tomazinho ligou o rádio. Aí Dulindo levantou-se e desligou o som. Cada um, do seu canto, acompanhou a cena: o menino veio xingando “filhodaputa” e antes de eu conseguir me levantar, partiram pra porrada. Tranqüilo, Tomás contornou a situação pondo os dois pra fora. “Se há proprietário que tem meu respeito é o de bar”, panfletei pra ninguém. Afinal, quem se preocupa tanto em deixar tanta bebida sempre tão perto de mim?

Quando um carro de polícia estacionou, eu não tive mais dúvida: a noite estava definitivamente perdida. Mas não foi tão ruim, eles comeram ovos cozidos e tomaram refrigerantes. Simpáticos aqueles rapazes, apesar das mortes penduradas na cintura.

Agora o bar se movimentava um pouco. Pelos gritos percebia-se que rolava um truco no salão. E eu continuava cultivando uma mulher no meu espírito quando notei que um dos três garotos me olhava esquisito. “Meu Deus, uma cantada às duas da madrugada”, eu pensei, era só o que me faltava. Ele olhava, olhava... olhos empapuçados, cabelos na testa... E se levantou. E caminhou em minha direção. E tirou o cigarro da minha boca. E jogou o meu cigarro na rua! E eu lhe dei um chute no saco. Ele voltou pra sua turma, gemendo. Ninguém fez nada. O pessoal entende quando tô triste.

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